Os líderes de mídia digital que entrevistamos para este estudo são empreendedores determinados e dinâmicos, comprometidos com a produção de jornalismo que faz diferença para suas comunidades, muitas vezes em circunstâncias desafiadoras. Porém, eles não fazem isso sozinhos. São apoiados por equipes igualmente dedicadas de jornalistas, editores e outros.
Para entender melhor como essas organizações de mídia operam e como a experiência e a estrutura de suas equipes afetam seu sucesso, estudamos seus perfis, especialidades e estruturas de remuneração.
Como muitos desses pequenos empreendimentos são compostos por freelancers, voluntários e outros consultores de meio período, pedimos aos entrevistados que descrevessem o tamanho de sua equipe e especialidades como equivalentes em tempo integral (FTEs, na sigla em inglês). Durante as entrevistas, muitos de nossos pesquisadores tiveram que explicar o que significava FTE e ajudar os gerentes a dividirem as responsabilidades dos membros da equipe entre as categorias principais, tais como criação de conteúdo, comercial ou desenvolvimento de negócios e finanças, já que, em muitos casos, os membros da equipe desempenham várias funções.
Nas três regiões que estudamos, o tamanho mediano da equipe era de 14 equivalentes em tempo integral (FTEs). A divisão deu, como resultado, 7 FTEs trabalhando na criação de conteúdo; 1,5 FTEs na gestão; e um FTE cada um em web design/tecnologia, arrecadação de fundos/comercial/desenvolvimento de negócios, desenvolvimento/análise de audiência e outras funções.
O desafio mais comum que enfrentam muitas das organizações que estudamos é que elas são criadas por jornalistas com pouca ou nenhuma experiência em negócios, que atraem principalmente outros jornalistas para suas equipes.
Contudo, construir uma equipe com experiência e habilidades diversas, além do jornalismo, aumentou drasticamente a receita das redações que estudamos nas três regiões.
De modo mais notável, as organizações de mídia nativas digitais que têm na equipe uma pessoa remunerada da área comercial ou de desenvolvimento de negócios informaram receita seis vezes maior daquelas sem uma pessoa dedicada à área comercial ou desenvolvimento de negócios.
Esse resultado é consistente com nossa pesquisa de 2016 sobre a questão na América Latina, onde descobrimos que, na maioria dos empreendimentos, as únicas pessoas que arrecadavam dinheiro para a organização eram os fundadores e, em muitos casos, eles também eram os editores, os gerentes, os contadores e muito mais. Embora seja comum que fundadores de startups desempenhem várias funções, a propensão desses jornalistas para contratar mais jornalistas – ao mesmo tempo em que não alocam recursos para desenvolvimento de negócios, tecnologia e contabilidade – acaba prejudicando seus resultados financeiros.
Ficamos tão impressionados ao descobrir o impacto dramático que um funcionário remunerado da área comercial ou de desenvolvimento de negócios poderia ter sobre a receita em nosso primeiro estudo que quisemos explorar mais essa questão. Para este estudo, também perguntamos quanto essas organizações pagam às equipes comerciais quando as contratam.
Em todas as três regiões, os salários para cargos comerciais e de desenvolvimento de negócios variaram de US$ 200 a US$ 2.000 por mês, com uma mediana global de US$ 733. Essa despesa foi responsável por pouco mais de 16% das despesas de uma redação com o comercial e desenvolvimento de negócios, em média.
Dado o impacto descomunal de ter um funcionário remunerado dedicado a gerar receita, e o custo relativamente baixo da mão de obra nesses mercados, o investimento na área comercial e de negócios continua a proporcionar uma alta taxa de retorno do investimento.
Também descobrimos que as organizações de notícias que pagam alguém para comandar a inovação tecnológica relatam três vezes mais receita – mesmo quando não há funcionários da área comercial ou desenvolvimento de negócios na equipe.
Depois de confirmar que as visualizações de página estão diretamente relacionadas a maior receita, decidimos analisar qual estrutura de equipe parecia atrair um público maior. Não surpreendentemente, equipes de conteúdo maiores se correlacionaram com visualizações de página mais elevadas; e quando pelo menos uma pessoa da equipe estava focada em revisar métricas e trabalhar no desenvolvimento da audiência, as visualizações de página eram notavelmente maiores.
Quando estudamos as redações latino-americanas em 2016, descobrimos que a maioria dos fundadores tinha formação em jornalismo ou outras ciências sociais. E mesmo assim, com frequência, também eram os únicos membros da equipe trabalhando na construção do negócio.
Empregando uma visão mais global desta vez, descobrimos que em todas as três regiões – América Latina, África e Sudeste Asiático – mais de 75% dos líderes de mídia tinham experiência em jornalismo. Destes, 43% eram os únicos responsáveis pela arrecadação de fundos e desenvolvimento do negócio.
Essa constatação sugere fortemente que as chances de sucesso podem ser incrementadas para empreendedores digitais, fornecendo treinamento para as lideranças de mídia atuais, bem como criando cursos de jornalismo empreendedor, negócios e inovação em escolas de jornalismo, para melhor preparar futuros líderes de mídia.
Quando analisamos a divisão regional dos dados sobre a experiência dos fundadores, descobrimos que apenas 44% dos fundadores das organizações com as quais conversamos no Sudeste Asiático tinham experiência em jornalismo – em comparação com uma média global de 76%. E ainda não vimos um aumento significativo no número de fundadores na região com experiência em outras áreas, como negócios ou tecnologia.
Nossa coordenadora de pesquisa regional para o Sudeste Asiático, Kirsten Han, apontou que alguns fundadores nativos digitais na região podem se identificar como ativistas, em vez de jornalistas.
Quando observamos a maneira como alguns dos fundadores entrevistados descreveram como serviam sua audiência, eles disseram coisas tais como: “Nossa forma de ativismo é combinar networking com ativismo” ou “Nós informamos e defendemos intensamente uma série de comunidades” ou, simplesmente, “Notícias para a mudança social”.
Nossas entrevistas também revelaram que muitos desses fundadores haviam participado de uma bolsa de estudos em jornalismo, acelerador de mídia ou outro programa de treinamento empresarial.
É de se notar que 37% dos fundadores de mídia com quem conversamos ganharam uma bolsa Nieman para passar um ano estudando em Harvard, uma bolsa JSK para estudar em Stanford, ou participaram de programas de treinamento empreendedor administrados pelo Reuters Institute, o International Center for Journalists e outros.
Essa descoberta sugere que esses tipos de bolsas estão tendo sucesso em seu objetivo de incentivar jornalistas a se tornarem empreendedores. Não encontramos, entretanto, uma conexão clara entre essas bolsas e o sucesso financeiro da empresa que eles lançaram.
Carlos Eduardo Huertas, diretor da CONNECTAS, na Colômbia, e beneficiário da Nieman Fellowship em 2011-2021, disse que programas como esses oferecem quatro itens-chave aos empreendedores em desenvolvimento: tempo, um ambiente fértil para novas ideias e conexões, “a linguagem do possível” e a segurança financeira para investir tempo explorando um novo projeto durante o programa.
Uma das descobertas mais significativas do primeiro relatório Ponto de Inflexão foi que as mulheres representavam 38% de todos os fundadores das 100 organizações de mídia nativas digitais que entrevistamos na Argentina, Brasil, Colômbia e México.
Neste estudo atual, descobrimos que 32% de todos os fundadores das 201 empresas que estudamos em 12 países eram mulheres.
A porcentagem de mulheres líderes variou significativamente por região:
O lema “apoiando a diversidade, fortalecendo mentes” está no topo da página inicial do site indonésio Magdalene. Fundada pelas jornalistas Devi Asmarani e Hera Diani em 2013, a Magdalene se descreve como uma publicação voltada para mulheres que oferece conteúdo e perspectivas inclusivas, críticas, empoderadoras e divertidas.
Seu trabalho dedicado nos últimos oito anos lhes rendeu prêmios e teve grande impacto na indústria: a campanha #WTF no Instagram chamando atenção para o comportamento sexista e misógino nos meios de comunicação indonésios fez com que outros sites aumentassem a cobertura sobre a igualdade de gênero. E a Magdalene é frequentemente convidada a fazer apresentações sobre reportagem de questões de gênero.
Mas Asmarani disse que só depois de terem começado a receber subvenções significativas em 2018 é que puderam começar a construir seus negócios e aumentar a receita.
“Nenhuma [das fundadoras] sabia nada sobre negócios; então, por muitos anos, mantivemos [o site] com nossa própria renda”, afirmou. “Não tínhamos a menor ideia sobre como arrecadar fundos, nosso modelo de negócio não existia”.
O financiamento por subvenções trouxe a possibilidade de contratar uma equipe em tempo integral, incluindo especialistas em gestão de negócios e comunidade, e desenvolver novas fontes de receita, incluindo conteúdo de marca, criação de conteúdo e patrocínio de eventos.
Asmarani enfatizou que as empresas de mídia em sua região têm maior dificuldade para obter financiamento, o que significa que muitas vezes estão limitadas a empresas de mídia de pequeno e médio porte.
“O apoio financeiro é muito importante para organizações como a nossa. Ajudá-las a passar de uma organização minúscula e em dificuldades para algo maior é um longo caminho. Organizações de mídia que têm uma missão e que são voltadas para as mulheres devem ser sempre uma das prioridades para receber apoio [financeiro] das organizações”.
Estudar a diversidade dos fundadores e suas audiências em uma gama tão ampla de países exigiu a consideração de diferentes tipos de minorias em cada país.
Muitos dos líderes de mídias digitais que entrevistamos disseram que estavam focados em alcançar comunidades carentes em seus países. Listados em ordem dos mencionados com maior frequência, eles observaram que seus públicos incluem:
Em todas as três regiões, cerca de 25% dessas organizações de mídia disseram que pelo menos um de seus fundadores representava um desses grupos minoritários; a divisão foi de quase 30% na América Latina, 25% no Sudeste Asiático e 20% na África.
Mais de 50% afirmaram ter pessoas identificadas como minorias em suas equipes (66% na América Latina, 48% no Sudeste Asiático e 30% na África).
“Tazama” é uma palavra suaíli que significa ver, olhar ou observar. Os fundadores escolheram esse nome porque “enxergar” e servir comunidades marginalizadas tradicionalmente ignoradas pela grande mídia está no cerne da missão da Tazama World Media.
A organização queniana produz reportagens sobre e para bairros de baixa renda em Nairóbi. Eles fazem isso contratando e treinando jornalistas profundamente enraizados nessas comunidades.
O editor geral James Smart descreveu que sua equipe de nove pessoas faz um tipo de “jornalismo de cordão de sapato”.
“Nossos jornalistas estão localizados em comunidades pobres e marginalizadas e falam com as pessoas que as integram como seres humanos plenos, não apenas como pessoas com problemas”, disse ele. “Nossa reportagem está tentando centrar-se na comunidade, permanecendo com eles por um período de tempo. Eles são parte integrante desta comunidade”.
Durante a pandemia da COVID-19, por exemplo, Smart disse que a mídia tradicional muitas vezes agia como uma “câmara de eco” para as mensagens de saúde pública do governo. Mas os jornalistas da Tazama informaram sobre o impacto que as políticas e restrições estavam tendo nas comunidades de baixa renda que eles servem.
Smart disse que outras mídias só começaram a cobrir esse tipo de história meses depois de sua equipe, sugerindo que o trabalho da Tazama proporcionou um novo ciclo de feedback para governos locais e outras organizações de mídia.
“Não é que as pessoas estavam se recusando a usar máscaras; elas não tinham máscaras. As pessoas nos mercados estavam tentando instalar linhas de água para que pudessem lavar as mãos, mas isso não estava funcionando”, disse Smart.
As reportagens da Tazama World Media, de dentro da comunidade, não apenas deram uma voz à comunidade, mas ajudaram essas vozes a chegarem àqueles que estão no poder para que as mudanças fossem feitas. Entre os resultados: mais máscaras foram produzidas e distribuídas, e bebedouros foram fornecidos aos mercados locais.
“Estamos tentando preencher as lacunas entre a comunicação do governo e as comunidades que recebem e atuam em cima dessa comunicação”, disse ele.