Os meios de comunicação presentes neste estudo vão desde pequenos sites de notícias gerenciados por voluntários até corporações lucrativas que alcançam milhões de leitores. Mas a maioria de seus fundadores disseram que criaram seus veículos jornalísticos não porque queriam se tornar empresários, mas porque se sentiam compelidos a cobrir tópicos que outros meios de comunicação negligenciavam.
As cinco principais áreas de cobertura citadas em todas as três regiões foram:
“Quando eu era repórter da Folha, escrevi histórias sobre pessoas da Amazônia que nunca foram publicadas porque os leitores de São Paulo supostamente não estavam interessados nos fatos de outras regiões do país”, disse Kátia Brasil, Editora Executiva da Amazônia Real, explicando que sua organização jornalística foi criada porque os jornais não cobriam assuntos que ela e outros acreditavam ser importantes sobre a região amazônica.
A Echo, fundada em 2018 na Tailândia, tem um público jovem e de cultura progressista, que é servida com conteúdo sobre questões tradicionalmente consideradas tabu, como sexo e sexualidade.
A BaleBengong.id, da Indonésia, concentra-se em grupos marginalizados como comunidades LGBTQ+, pessoas com problemas de saúde mental, com HIV/AIDS, entre outras. Eles oferecem oficinas de treinamento em jornalismo para pessoas dessas comunidades e grande parte de sua cobertura vem de uma equipe de mais de 300 voluntários.
A maior parte das mídias deste estudo não parece competir diretamente com as organizações de notícias tradicionais. Elas preenchem lacunas de notícias e trabalham duro para atrair audiências que muitas vezes se sentem sub-representadas pelos meios de comunicação existentes em seus mercados.
“Criamos uma organização jornalística em uma comunidade que não tinha outra fonte de notícias local”, disse James Smart, cofundador e editor geral da Tazama World Media, no Quênia.
Na maioria dos casos, os empresários de mídia com quem falamos foram motivados por fazer a diferença em suas comunidades e na sociedade, o que os leva a cobrir tópicos complexos e de alto impacto.
Por exemplo, o Oxpeckers Investigative Environmental Journalism, com sede na África do Sul, é o primeiro projeto de jornalismo investigativo da África focado em questões ambientais.
A CodeBlue, da Malásia, – com o lema “a saúde é um direito humano” – tem a missão de contar histórias pouco conhecidas sobre a saúde no país.
E a Sentiido, da Colômbia, visa reduzir a discriminação contra as comunidades LGBTQ+ através de sua cobertura de gênero, sexualidade e transformação social.
Na América Latina, o jornalismo investigativo ficou em primeiro lugar; na África, as notícias de última hora encabeçaram a lista e, no Sudeste Asiático, o jornalismo de opinião foi o tipo de jornalismo mais frequentemente informado pelos meios de comunicação nativos digitais que estudamos.
Vários dos líderes de mídias do Sudeste Asiático disseram que era impossível cobrir muitas questões políticas em tempo real porque estavam impedidos de participar de reuniões oficiais: 12% informaram não ter tido acesso a credenciais de imprensa ou a eventos governamentais e 14% não conseguiram fazer entrevistas com funcionários do governo.
Nossa equipe regional de pesquisa na Ásia sugeriu que a alta incidência de artigos de opinião também poderia ser devido ao mercado extremamente competitivo de notícias digitais da região. As organizações de mídia relativamente pequenas e jovens de nossa amostra podem não ser capazes de competir com equipes jornalísticas maiores para fazer apuração, então elas se concentram em fornecer contexto para as notícias de última hora.
Um ponto em comum nas três regiões é que os sites com os mais altos níveis de receita tendem a incluir artigos de opinião em seu conteúdo (embora a maioria também publique notícias e outras informações). Em nossas entrevistas, os líderes de mídia nos disseram que a publicação de opiniões e análises permitiu criar um nicho próprio, pois eles trabalham para construir audiências que muitas vezes eram desatendidas pelas organizações de mídia tradicionais da região. Eles também afirmaram que a publicação de artigos de opinião tem sido uma forma fundamental de dar voz às comunidades desatendidas e de oferecer perspectivas mais diversificadas sobre as notícias do dia.
Entre as organizações de mídia africanas deste relatório, o tipo de jornalismo mais frequentemente informado foi o de últimas notícias, seguido de opinião, verificação de fatos e reportagens investigativas. Mas também estávamos interessados em observar uma forte demonstração de jornalismo de soluções nesta região — quase metade das redações africanas que entrevistamos afirmaram que estavam realizando alguma forma de jornalismo de soluções.
Nossa equipe de pesquisa da África destacou que houve uma série de investimentos de alto nível em projetos de treinamento em jornalismo de soluções no continente nos últimos dois anos, incluindo a Iniciativa Solutions Journalism Africa Initiative — uma parceria entre a Solutions Journalism Network (SJN), a Nigeria Health Watch e a Science Africa — que oferece bolsas de estudo e treinamento para jornalistas.
Em seu chamado para o primeiro grupo de Bolsas de Jornalismo de Soluções na Nigéria, a Nigeria Health Watch descreve como este tipo de reportagem se concentra na busca de soluções para problemas complexos:
“O jornalismo de soluções adota uma abordagem orientada a soluções para contar histórias; contando histórias rigorosas, investigativas e estimulantes de respostas a problemas sociais existentes… É diferente do jornalismo tradicional, frequentemente focado em problemas, porque salienta aquilo que funciona, ao contrário do que não funciona, e vai além para investigar por que uma intervenção ou solução para um problema social foi capaz de trazer mudanças”.
A Nigeria Health Watch tem uma equipe de especialistas em jornalismo de soluções, treinados pela SJN. Sua Torchlight Series informa sobre soluções para diferentes dificuldades de saúde no Quênia e em todo o continente africano, com o objetivo de divulgar um pensamento inovador e oferecer novas ideias aos formuladores de políticas públicas.
“É nossa maneira de responsabilizar os formuladores de políticas, mostrando-lhes que não há desculpas para a falta de ação”, disse sua cofundadora e diretora executiva Vivianne Ihekweazu.
Em 2020, a Tisini, uma empresa de mídia e tecnologia do Quênia, sediou a primeira Cúpula Anual Tisini de Futebol, patrocinada pelos gigantes das telecomunicações Safaricom, para explorar “soluções para melhorar os assuntos financeiros do futebol queniano. A cúpula explorou oportunidades financeiras no futebol, como as marcas podem obter valor para patrocínios e dificuldades-chave de financiamento dos setores do futebol”, de acordo com um artigo do site da Tisini.
Apesar de a Tisini cobrir principalmente esportes, o site de notícias também tem matérias que exploram soluções para questões mais amplas de saúde e gênero.
O jornalismo de soluções também apareceu entre os 10 tipos de jornalismo mais frequentemente informados no Sudeste Asiático, mas em um nível significativamente mais baixo. Das 52 organizações de mídia que entrevistamos lá, oito sites disseram que utilizam esta abordagem para cobrir tópicos complexos.
Nossa equipe de pesquisa também procurou descobrir se determinados tipos de jornalismo tinham alguma relação com o aumento da receita. Nos dados de 2019, não encontramos uma correlação clara, mas houve uma mudança interessante em 2020: organizações de mídia especializadas em jornalismo de dados, jornalismo colaborativo ou engajado, jornalismo investigativo ou jornalismo de soluções — todas elas informaram uma receita significativamente maior do que aquelas que não faziam esse tipo de jornalismo.
Nossa análise sugere que os financiadores de projetos concederam apoio financeiro adicional ao jornalismo deste tipo durante a pandemia. Embora ainda não se saiba se estes níveis mais altos de subvenções continuarão, verificamos um aumento notável na receita das subvenções em 2020 — tanto em porcentagem da receita total quanto no valor total em dólares para os meios de comunicação que fazem este tipo de cobertura.
Em comparação, a publicidade representou uma porcentagem ligeiramente menor da receita anual total em 2020 nas organizações que praticam este tipo de jornalismo, embora a quantidade total de dinheiro proveniente de anúncios tenha sido maior no mesmo ano.
Também é de se notar que, tanto em 2019 como em 2020, em toda a América Latina, Sudeste Asiático e África, o tipo de jornalismo mais comumente praticado por todas as empresas de maior renda desta pesquisa (aquelas com receita anual acima de US$ 500.000) foi o jornalismo de opinião, muitas vezes somado à publicação de notícias. Isto é consistente com os comentários de muitos fundadores de mídia que afirmaram que parte de sua missão é aumentar a diversidade de reportagens de opinião baseadas em fatos em seus mercados.
Impactos na sociedade
A maioria das empresas jornalísticas digitais que entrevistamos no Sudeste Asiático, África e América Latina disseram que suas reportagens tinham contribuído para mudanças políticas e sociais significativas – incluindo maior envolvimento cívico, investigações criminais e demissões governamentais.
O tipo de impacto mais comum em todas as três regiões foi uma contribuição para o aumento do envolvimento cívico, mas houve variações no impacto por região.
Aproximadamente 25% dos líderes de mídia da América Latina e da África informaram que seu jornalismo contribuiu para que um funcionário do governo se demitisse ou fosse demitido, mas este número foi de apenas 9% para organizações do Sudeste Asiático.
Os analistas regionais nos disseram que mesmo quando os jornalistas expõem a corrupção e outros abusos no Sudeste Asiático, os líderes políticos nem sempre são responsabilizados. Esta dificuldade pode ser pior no Sudeste Asiático, mas a frustração também encontrou eco nos jornalistas das outras duas regiões.
O Ghana Business News afirmou que seu trabalho contribuiu para uma nova legislação sobre lixo eletrônico e para melhorias em um projeto de alimentação escolar.
Na Nigéria, o International Centre for Investigative Reporting salientou a forma como suas reportagens sobre pagamentos retidos de pensão para aposentados contribuíram para uma retomada parcial desses pagamentos.
O HumAngle, na Nigéria, treinou mulheres deslocadas pelo Boko Haram, em Borno, em jornalismo cidadão e lhes forneceu smartphones para documentar práticas em campos de deslocados internos (IDPs, na sigla em inglês). Posteriormente, elas puderam fazer reportagens sobre desvios de alimentos e escândalos de sexo em troca de alimentos. O HumAngle paga honorários a essas jornalistas cidadãs e publica as reportagens em seus nomes. Algumas dessas jornalistas cidadãs se tornaram repórteres de sucesso e agora trabalham para outras empresas jornalísticas.
O New Naratif, um canal regional com um escritório na Malásia, afirmou que seu trabalho ajudou a arrecadar doações para estudantes, após contar esta história sobre a crescente lacuna educacional que os jovens refugiados e requerentes de asilo enfrentam no país.
Nas Filipinas, o The POST disse que sua reportagem sobre estudantes que vendem imagens explícitas de si mesmos online levou as instituições governamentais a ordenar uma investigação sobre o assunto, incluindo o Gabinete do Presidente e o Departamento de Justiça.
A Marco Zero Conteúdo do Brasil afirmou que sua reportagem contribuiu para a libertação de um homem que foi injustamente preso após ser acusado de tráfico de drogas. A investigação do site descobriu que os documentos pessoais dele tinham sido roubados e usados por outro homem que tinha escapado da prisão enquanto estava preso por delitos de tráfico de drogas.
Mais de 82% dos líderes de mídia que entrevistamos disseram que tiveram reportagens selecionadas ou republicadas por outros meios de comunicação, evidenciando que a mídia nacional e internacional confia e respeita o jornalismo feito por eles.
Mais de 50% disseram ter ganho prêmios locais ou nacionais, e mais de 25% disseram que seu jornalismo lhes rendeu prêmios internacionais, incluindo o prestigioso Prêmio Gabo da América Latina, e o Prêmio Pulitzer, que é concedido à mídia de todo o mundo pela Universidade de Columbia.
Em alguns casos, estes prêmios foram concedidos a trabalhos colaborativos, realizados em parceria com outros empreendimentos de mídia. Por exemplo, algumas das organizações de mídia que entrevistamos participaram dos Panamá Papers e, como resultado, compartilharam o Prêmio Pulitzer.
As empresas jornalísticas do Sudeste Asiático informaram menos prêmios locais ou nacionais: 37% disseram ter recebido um prêmio em seu próprio país, comparado com 53% na América Latina e 57% na África.
Da mesma forma, apenas 17% dos sites do Sudeste Asiático de nossa amostra afirmaram ter recebido um prêmio internacional, em comparação com 31% na América Latina e 28% na África.
Os analistas de mídia nos disseram que o número reduzido de prêmios recebidos no Sudeste Asiático poderia se dever ao fato de a maioria desses prêmios irem para a mídia em inglês, e que muitos dos meios de comunicação desta pesquisa provavelmente foram excluídos das premiações de jornalismo porque eles publicam em outras línguas.
Nas três regiões, os projetos de jornalismo colaborativo, assim como outros tipos de parcerias, estão crescendo e ajudando esses meios de comunicação a alcançarem novos públicos, conduzir investigações transnacionais e muito mais.
Mais de 80% dos meios de comunicação deste estudo afirmaram ter estabelecido parcerias nos últimos dois anos.
Além dos Panamá Papers, muitos dos meios de comunicação que entrevistamos também colaboraram em outras investigações globais lideradas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), incluindo os Paradise Papers e os Arquivos FinCEN.
As organizações especializadas em verificação de fatos têm sido especialmente ativas na construção de alianças. Na América Latina, o Chequeado, da Argentina, liderou o desenvolvimento do projeto colaborativo Latam Chequea em 2014. A rede cresceu para incluir mais de 30 projetos de checagem de fatos em toda a América Latina.
O Chequeado, que foi lançado em 2010 e foi o primeiro da região a se concentrar na checagem de fatos, dedicou recursos consideráveis para treinar outros jornalistas na verificação de fatos, além de ajudar a lançar sites de checagem em toda a região.
O Verificado, um site de verificação de fatos de Monterrey, México, atribui a credibilidade que obteve e o desenvolvimento de uma nova fonte de receita ao Chequeado, devido à ajuda que recebeu do site argentino para se juntar à Latam Chequea.
A Africa Check, uma organização sem fins lucrativos de verificação de fatos incluída neste estudo, foi lançada em 2012. Sua sede é na África do Sul, com escritórios regionais no Quênia, Nigéria e Senegal. A organização se dedica a promover a honestidade e a exatidão no debate público em toda a África.
“Não podemos combater a desinformação na África sozinhos”, eles declaram em seu site. “Nossos parceiros são cruciais para nosso sucesso”. Colaborações e parcerias com empresas, agências internacionais de desenvolvimento, fundações filantrópicas, indivíduos, redes, organizações da sociedade civil e da mídia garantem que criemos um impacto sustentável, escalável e duradouro”.
A International Fact-Checking Network (IFCN), dirigida pelo Instituto Poynter, entidade sem fins lucrativos dos Estados Unidos, tem sido fundamental para ajudar a mídia nativa digital nesta área vital de notícias. Todos os seus membros aderem ao seu compromisso de imparcialidade, transparência e precisão.
Nas Filipinas, a Vera Files foi reconhecida por seu trabalho no combate à desinformação, mas encontramos menos sites de checagem de fatos no Sudeste Asiático do que nas outras duas regiões.
Os analistas de mídia daquela região disseram que parte da dificuldade para construir uma rede de verificação de fatos robusta reside no número de línguas. No Sudeste Asiático, pelo menos 1.000 línguas e dialetos são falados. Mas eles também disseram que acreditam que houve um financiamento significativamente maior para a checagem de fatos na África e na América Latina.
As empresas jornalísticas que fazem um melhor monitoramento e promoção de seu impacto tendem a atrair mais financiamento de subvenções, fazer campanhas com mais apelo para seus membros e obter mais doações privadas.
Medir o impacto também é fundamental para entender como a cobertura jornalística afeta a comunidade, governos e outras partes interessadas decisivas.
Os líderes de mídia desta pesquisa parecem compreender a importância de monitorar o impacto e quase 70% nos informaram que estavam medindo seu impacto de alguma forma. Porém, muitos também admitiram que gostariam de aprender a fazê-lo melhor, e que precisam de sistemas de monitoramento mais eficazes.
A CONNECTAS é uma organização regional sem fins lucrativos da América Latina especializada em expor abusos de poder por meio de colaborações transnacionais e de análises que contribuem para melhorar o entendimento sobre a região.
Desde seu lançamento, em 2012, eles já treinaram mais de mil jornalistas em técnicas avançadas de reportagem investigativa, inclusive em países mais fechados. Eles tambéme coordenam uma rede com mais de 100 repórteres e veículos jornalísticos de 20 países, que realizam projetos de jornalismo investigativo por toda a América Latina.
Carlos Eduardo Huertas, fundador e diretor da CONNECTAS, disse que estes indicadores são mais importantes do que as métricas ou prêmios para entender o impacto causado pelo veículo, pois estão diretamente associados à missão da CONNECTAS de promover a troca de informações sobre questões-chave nas Américas